Terapia Ocupacional no Autismo: Uma Jornada de Cuidado, Funcionalidade e Dignidade

A Terapia Ocupacional é uma aliada essencial no cuidado de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Mais do que uma intervenção técnica, ela representa um olhar atento sobre a singularidade de cada indivíduo, promovendo autonomia, qualidade de vida e participação social. No contexto do autismo, a Terapia Ocupacional atua como uma ponte entre as necessidades sensoriais, motoras, cognitivas e emocionais da pessoa autista e o mundo ao seu redor.
O que é Terapia Ocupacional?
A Terapia Ocupacional é uma profissão da área da saúde que utiliza atividades humanas como recurso terapêutico para prevenir e tratar alterações nas funções físicas, cognitivas, sensoriais, emocionais e sociais. De acordo com o Decreto-Lei 938/69, que regulamenta essa profissão no Brasil, sua atuação se dá nos mais diversos contextos – desde hospitais até escolas, empresas e centros de reabilitação.
No caso de crianças, adolescentes e adultos com TEA, a Terapia Ocupacional é especialmente importante por focar nas atividades da vida diária (AVDs), vida prática, regulação sensorial, habilidades motoras finas e grossas, brincadeiras, interação social e participação em ambientes escolares ou comunitários.
O papel do Terapeuta Ocupacional no Autismo
O profissional de Terapia Ocupacional realiza avaliações detalhadas para compreender como a pessoa com autismo percebe, responde e interage com o ambiente. Esse olhar cuidadoso envolve considerar a história familiar, o contexto social, a faixa etária, o nível de suporte necessário e os desafios funcionais do dia a dia.
A atuação é sempre centrada na pessoa, respeitando suas preferências, suas potencialidades e suas dificuldades. A proposta de intervenção é construída em conjunto com a família, com a escola e com outros profissionais, como fonoaudiólogos, psicólogos e pedagogos.
A importância da atividade significativa
Na Terapia Ocupacional, as atividades humanas são vistas como meios de desenvolvimento, expressão e conquista de autonomia. Para uma criança com autismo, isso pode significar aprender a escovar os dentes sozinha, conseguir vestir-se de forma independente, tolerar estímulos sensoriais no banho ou mesmo brincar com outra criança de forma simbólica.
A escolha das atividades não é aleatória. Cada proposta terapêutica é baseada em objetivos funcionais, que ajudam a pessoa autista a avançar em sua participação nas rotinas familiares, escolares e sociais. Por exemplo, para um adolescente com TEA que demonstra rigidez comportamental, o terapeuta pode trabalhar a flexibilidade cognitiva por meio de jogos de regras variadas, sempre respeitando seu ritmo e suas preferências.
Regulação sensorial e integração sensorial
Um dos focos mais importantes da Terapia Ocupacional no autismo é o trabalho com a modulação sensorial. Muitas pessoas autistas experimentam o mundo de forma sensorialmente intensa ou hipoestimulada. Sons que parecem normais para a maioria das pessoas podem ser dolorosos, luzes podem ser desconfortáveis e texturas podem provocar grande aversão.
A Terapia Ocupacional utiliza abordagens baseadas na Teoria da Integração Sensorial (Ayres, 1972) para ajudar o sistema nervoso da pessoa autista a processar, organizar e responder melhor aos estímulos. Isso pode envolver o uso de materiais táteis, atividades com movimento, balanços terapêuticos, escovação corporal e adaptações no ambiente.
Inclusão escolar e adaptação de rotinas
A Terapia Ocupacional também tem papel central na promoção da inclusão escolar. O terapeuta pode auxiliar professores e cuidadores a entenderem as necessidades específicas de um aluno com TEA, adaptar o mobiliário, organizar o ambiente de forma mais previsível e sugerir estratégias para facilitar a atenção, o planejamento motor e a transição entre atividades.
Um exemplo comum é o uso de apoios visuais, como cronogramas ilustrados, rotinas em quadros e sinais de espera. Essas ferramentas, frequentemente organizadas com o suporte da Terapia Ocupacional, ajudam a pessoa autista a compreender o que vem a seguir, o que aumenta sua segurança e reduz comportamentos de ansiedade.
O olhar para a família e para o cotidiano
Não se trata apenas de reabilitar funções ou alcançar metas clínicas. A Terapia Ocupacional no TEA se baseia em um modelo centrado na ocupação e no cotidiano. Isso significa olhar para a rotina da família, escutar suas angústias, acolher suas dúvidas e buscar soluções reais, possíveis e respeitosas.
Por exemplo, quando uma mãe relata que seu filho autista tem dificuldades na hora do almoço, o terapeuta pode observar a rotina, analisar a posição na cadeira, o tipo de talher usado, os estímulos presentes no ambiente e propor ajustes simples que favoreçam a alimentação.
A Terapia Ocupacional entende que cada conquista, por menor que pareça, tem um valor imenso na vida de uma pessoa com autismo e de sua família.
O cuidado transdisciplinar e os avanços da ciência
A atuação da Terapia Ocupacional é ainda mais potente quando integrada a outras áreas, formando uma equipe transdisciplinar. Intervenções em ABA (Análise do Comportamento Aplicada), fonoterapia, psicopedagogia e psicologia se somam à Terapia Ocupacional para criar um plano individualizado e coerente.
Estudos mostram que intervenções precoces, intensivas e individualizadas, que envolvem Terapia Ocupacional, podem melhorar significativamente as habilidades sociais, comunicativas, adaptativas e motoras de crianças com autismo (Zwaigenbaum et al., 2015; Case-Smith & Arbesman, 2008).
Além disso, o uso de protocolos como o CO-OP (Cognitive Orientation to Occupational Performance) e o modelo DIR/Floortime vêm sendo aplicados com sucesso por terapeutas ocupacionais no contexto do autismo, promovendo aprendizado significativo através da brincadeira e da mediação relacional.
Conclusão
A Terapia Ocupacional no autismo vai muito além da técnica. Ela é feita de escuta, presença, vínculo, criatividade e respeito. É sobre enxergar o ser humano em sua totalidade, com dignidade, propósito e potencial.
Seja para apoiar no desenvolvimento de habilidades básicas, lidar com desafios sensoriais ou favorecer a autonomia, a Terapia Ocupacional é uma ferramenta potente de transformação. É sobre cuidar com o outro, e não apenas do outro.
Assinatura da autora:
Artigo escrito pela Dra. Letícia Bringel, psicóloga especialista em Autismo (CRP 23/504), Mestra em ABA pela PUC/GO, Supervisora CABA BR 2024/005 e CEO do Grupo Estímulos e da Comunidade Estímulos Brasil.
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