A dor invisível dos irmãos de crianças autistas: como promover escuta, acolhimento e pertencimento

irmãos de crianças autistas

Em muitas famílias que convivem com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), os cuidados se concentram, com razão, nas necessidades da criança autista. No entanto, há uma presença silenciosa e muitas vezes esquecida nesse contexto familiar: os irmãos de crianças autistas. Esses irmãos crescem em um ambiente que exige flexibilidade, compreensão e, frequentemente, renúncias silenciosas. Ainda que não verbalizem suas dores, suas vivências merecem reconhecimento e cuidado.

Este artigo convida à reflexão sobre a realidade emocional dos irmãos de crianças autistas, suas necessidades frequentemente invisíveis e os caminhos que pais, profissionais e educadores podem percorrer para acolhê-los com respeito e sensibilidade.

Quem são os irmãos de crianças autistas e por que precisam ser vistos

Os irmãos de crianças autistas convivem com comportamentos atípicos, rotinas adaptadas e demandas que muitas vezes limitam o tempo e a atenção dos pais. Embora exista, em muitos casos, um vínculo afetivo profundo, também podem surgir sentimentos difíceis como ciúmes, frustração e solidão. Esses irmãos aprendem cedo a ceder, a esperar e a compreender o que muitas vezes nem é explicado a eles de forma clara.

A expressão “glass child”, ou “criança de vidro”, tem sido usada para descrever esses irmãos. Embora pareçam fortes, compreensivos e adaptados, por dentro podem se sentir invisíveis. Evitam demonstrar sofrimento para não gerar mais preocupações aos pais, o que pode resultar em isolamento emocional, baixa autoestima e dificuldade em expressar suas próprias necessidades.

Os desafios emocionais enfrentados em silêncio

É comum que os irmãos de crianças autistas desenvolvam maturidade precoce. Sabem quando devem se calar, quando recuar, quando não pedir ajuda. Porém, essa maturidade nem sempre vem acompanhada de suporte emocional. Muitos deles se sentem culpados por desejarem atenção, ou por não compreenderem o comportamento do irmão. Outros carregam o peso de sentir raiva ou vergonha e não saberem como lidar com essas emoções.

Estudos recentes apontam que esses irmãos têm risco aumentado para ansiedade e sintomas depressivos, especialmente quando suas experiências não são validadas no ambiente familiar (Tsabari e Miron, 2021). A escuta ativa e a validação emocional são elementos fundamentais para reduzir esses impactos.

A escuta e o pertencimento como pilares do acolhimento

Escutar os irmãos de crianças autistas é mais do que oferecer atenção pontual. É criar espaços em que eles possam ser quem são, com suas dúvidas, sentimentos e desejos. Quando há abertura para o diálogo, muitos se sentem aliviados por finalmente poderem colocar em palavras o que sentem.

O sentimento de pertencimento também é essencial. Irmãos de crianças autistas se beneficiam imensamente quando são incluídos nas conversas sobre o cuidado, nas adaptações da rotina familiar e nos momentos de decisão, respeitando suas idades e capacidades de compreensão. Essa inclusão fortalece os vínculos, reduz o sentimento de exclusão e favorece o desenvolvimento emocional saudável.

Estratégias práticas para acolher irmãos de crianças autistas

Diversas ações simples e eficazes podem transformar a forma como os irmãos de crianças autistas vivenciam suas relações familiares. A seguir, algumas estratégias que podem ser adotadas tanto por famílias quanto por profissionais e educadores.

Primeira ação: oferecer explicações claras e adequadas à idade. Ao compreender o que é o autismo, por que o irmão se comporta de determinada maneira e o que pode ou não ser esperado, o irmão se sente menos confuso e mais capaz de lidar com as situações do dia a dia.

Segunda ação: reservar momentos individuais de atenção. Irmãos de crianças autistas precisam se sentir valorizados como indivíduos, e não apenas como “ajudantes” ou “filhos que não dão trabalho”. Pequenos momentos de exclusividade com os pais ou responsáveis podem fazer grande diferença.

Terceira ação: estimular rodas de conversa e grupos de apoio. Conversar com outras crianças e adolescentes que também são irmãos de crianças autistas ajuda a criar senso de pertencimento, alivia o sentimento de solidão e promove o compartilhamento de estratégias e emoções.

Quarta ação: considerar o suporte psicológico. Em casos em que há sobrecarga emocional, ansiedade ou sofrimento silencioso, o acompanhamento com um psicólogo pode oferecer o acolhimento necessário para que o irmão consiga elaborar seus sentimentos de forma saudável.

Quinta ação: evitar rotular o irmão como cuidador. Apesar da convivência próxima, os irmãos não devem ser responsabilizados pelo bem-estar do irmão autista. O papel deles é de irmãos, com direito à infância, ao lazer e ao desenvolvimento pessoal pleno.

Quando o vínculo fraterno se torna potência

Apesar dos desafios, a convivência com um irmão com autismo também pode gerar frutos positivos. Muitos irmãos de crianças autistas desenvolvem empatia profunda, capacidade de escuta, flexibilidade, paciência e senso de justiça. Essas habilidades, quando acompanhadas de acolhimento e escuta, se tornam recursos valiosos para a vida adulta.

Mariana, de 17 anos, cresceu ao lado do irmão mais novo com autismo nível 3. Durante anos, sentiu raiva por não conseguir brincar com ele ou por ter que dividir o tempo dos pais com tantas terapias. Quando foi incluída em uma atividade escolar sobre inclusão, teve a chance de falar sobre sua experiência. A partir daquele momento, passou a enxergar o irmão de outra forma. Hoje, Mariana participa de um grupo de apoio para irmãos de crianças autistas e sonha em cursar psicologia para ajudar outras famílias como a dela.

Histórias como essa mostram que, com o suporte certo, os irmãos de crianças autistas podem transformar dor em cuidado, silêncio em escuta e invisibilidade em força.

O papel da escola e da sociedade no acolhimento

A escola é um espaço essencial de identificação e suporte. Professores, coordenadores e orientadores precisam estar atentos às manifestações emocionais e comportamentais desses irmãos. Mudanças de humor, queda no desempenho, retraimento ou agressividade podem sinalizar sofrimento emocional não verbalizado.

Projetos de leitura, oficinas sobre diversidade, rodas de conversa e campanhas sobre inclusão são caminhos possíveis para que os irmãos de crianças autistas encontrem escuta e pertencimento também no ambiente escolar. É fundamental que as escolas entendam que a realidade familiar influencia diretamente o desempenho e o bem-estar dos estudantes.

A sociedade como um todo também pode colaborar, criando espaços de lazer, convivência e escuta para crianças e adolescentes que compartilham da experiência de ter um irmão com autismo. Acolher esses irmãos é ampliar o cuidado com toda a rede de apoio.

Conclusão

A realidade dos irmãos de crianças autistas é complexa e cheia de nuances. Muitas vezes, sua dor é silenciosa, mas nem por isso menos significativa. Cuidar dessas crianças e adolescentes é um gesto de compromisso com a saúde emocional de toda a família.

Acolher, escutar e incluir os irmãos de crianças autistas é uma forma potente de promover vínculos saudáveis, desenvolver empatia e fortalecer redes de apoio. Quando cuidamos de quem cuida, ampliamos a potência do afeto como ferramenta de transformação.

Assinatura oficial da autora:
Artigo escrito pela Dra. Letícia Bringel, psicóloga especialista em Autismo (CRP 23/504), Mestra em ABA pela PUC/GO, Supervisora CABA BR 2024/005 e CEO do Grupo Estímulos e da Comunidade Estímulos Brasil.

Escute agora: um convite necessário à reflexão!

Em meio às necessidades intensas de cuidado com crianças autistas, muitas vezes uma dor silenciosa passa despercebida: a dos irmãos. Eles também precisam ser vistos, escutados e acolhidos.

No episódio especial do nosso podcast, exploramos como promover escuta, acolhimento e pertencimento aos irmãos de crianças autistas — e por que isso importa tanto.

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