Brinquedos e TEA: Como Escolher com Intenção e Afeto para Estimular o Desenvolvimento Infantil

Brincar é um direito da infância e uma das formas mais potentes de aprender sobre o mundo. Para muitas famílias que convivem com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), os brinquedos deixam de ser apenas fontes de diversão e passam a ocupar um espaço de cuidado, desenvolvimento e conexão. Entender a relação entre brinquedos e TEA é abrir portas para um brincar mais significativo, respeitoso e transformador.
Muito além da escolha por idade, cor ou moda, os brinquedos no contexto do TEA devem considerar aspectos sensoriais, motores, cognitivos, sociais e afetivos. Afinal, brincar não é um luxo. É uma necessidade do desenvolvimento infantil, uma ponte que conecta a criança ao outro, ao seu corpo e às suas possibilidades.
Neste artigo, vamos aprofundar como os brinquedos e TEA se entrelaçam e como essa combinação pode favorecer o crescimento em todas as áreas do desenvolvimento humano.
Conhecer a Criança é o Primeiro Passo
Antes de escolher brinquedos para uma criança com TEA, é fundamental entender suas reais habilidades e preferências. A idade cronológica nem sempre corresponde à etapa de desenvolvimento. Uma criança de sete anos pode ter habilidades comunicativas ou motoras que correspondem a uma faixa etária menor, e isso precisa ser considerado com empatia.
A observação cuidadosa dos interesses, das reações aos estímulos sensoriais e das formas como a criança se comunica e interage com o ambiente vai guiar escolhas mais assertivas. Brinquedos e TEA devem caminhar lado a lado com acolhimento e personalização.
Brinquedos e TEA
Sabemos que muitas crianças autistas apresentam hipersensibilidades ou hipossensibilidades sensoriais. Por isso, brinquedos com texturas diferentes, luzes suaves, cheiros agradáveis ou sons delicados podem ser aliados importantes no processo de integração sensorial.
Massinhas, fidget toys, bolinhas em gel, slimes e areia mágica, por exemplo, são opções muito utilizadas por terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos como parte de suas intervenções. No entanto, o mesmo estímulo que encanta uma criança pode sobrecarregar outra. Por isso, mais uma vez, a observação sensível e o respeito à individualidade são fundamentais na escolha dos brinquedos no contexto do TEA.
Brincar para Conectar
Uma das áreas frequentemente desafiadas no TEA é a interação social. Os brinquedos podem ser grandes mediadores de contato humano quando bem escolhidos. Jogos cooperativos, bonecos, cenários de faz de conta, livros ilustrados com personagens e até jogos simples de tabuleiro são excelentes para iniciar ou ampliar habilidades de troca, imitação e comunicação.
Imagine uma criança que tem grande interesse por animais. Utilizar miniaturas de fazenda ou um zoológico de brinquedo pode ser a porta de entrada para construir frases, compartilhar atenção e fortalecer o vínculo com o adulto ou com os colegas.
Organização Cognitiva
Crianças com TEA costumam se beneficiar de brinquedos que oferecem previsibilidade e padrões claros. Brinquedos estruturados, como blocos de montar, quebra-cabeças ou jogos de sequência, ajudam a desenvolver raciocínio lógico, atenção, memória e até habilidades executivas, como planejamento e organização.
A repetição, nesse caso, não é vista como limitação, mas como caminho de consolidação. Ao repetir padrões com prazer, a criança constrói segurança e domínio, algo essencial para seu bem-estar emocional e cognitivo.
Corpo em Movimento, Desenvolvimento em Ação
Os brinquedos que promovem movimento têm papel central no desenvolvimento motor e sensorial. Brincadeiras com bolas, brinquedos de empurrar e puxar, circuitos de obstáculos ou peças para empilhar estimulam tanto a motricidade ampla quanto a fina.
Para crianças com TEA, essas atividades não só contribuem para o fortalecimento muscular, coordenação e equilíbrio, como também podem ajudar na autorregulação e na percepção corporal. O corpo que se movimenta é o corpo que se reconhece e aprende com o mundo ao seu redor.
Brinquedos e TEA
Muitos pais e cuidadores se sentem tentados por brinquedos que prometem múltiplas funções, luzes, sons, movimentos e interatividade digital. No entanto, brinquedos simples costumam ter um valor imenso no desenvolvimento da criança com TEA.
Um jogo de argolas, uma caixa de encaixes com formas geométricas, um kit de panelinhas ou um conjunto de carrinhos pode render horas de brincadeira rica, sem sobrecarregar o processamento sensorial da criança. A simplicidade permite que o brincar aconteça no ritmo da criança, favorecendo autonomia, segurança e criatividade.
Brincar com o que Encanta
Um dos traços frequentemente observados em pessoas com TEA é a presença de interesses restritos e intensos. Ao invés de evitar esses interesses, podemos usá-los como aliados na escolha dos brinquedos. Uma criança apaixonada por trens pode desenvolver linguagem, motricidade e socialização brincando com trilhos e locomotivas.
Incluir os temas favoritos da criança em suas brincadeiras é uma forma poderosa de validar sua identidade, gerar engajamento e expandir horizontes a partir do que já lhe traz alegria. Quando falamos de brinquedos e TEA, esse é um dos caminhos mais eficazes para uma intervenção respeitosa e significativa.
O Desafio que Constrói
Brincar também é espaço para superação. Jogos com graus progressivos de dificuldade, desafios de lógica, brinquedos que exigem solução de problemas ou montagem de etapas são grandes aliados da autonomia.
É importante que o desafio seja acessível e ajustável, garantindo que a criança tenha pequenas vitórias e se sinta competente. O reforço positivo diante do sucesso promove autoestima e confiança, fundamentais para qualquer processo de aprendizagem, especialmente no contexto dos brinquedos e TEA.
Sugestões Práticas de Brinquedos para Crianças com TEA
Brinquedos sensoriais: massinhas, texturas táteis, brinquedos com luzes suaves, slimes, bolinhas de gel
Brinquedos sociais: jogos cooperativos, fantoches, bonecos e miniaturas para faz de conta
Brinquedos estruturados: blocos de montar, quebra-cabeças, jogos de sequência ou encaixe
Brinquedos motores: bolas, brinquedos de puxar e empurrar, circuitos com obstáculos, brinquedos para empilhar
Conclusão
Brinquedos e TEA não devem ser tratados como categorias separadas. Eles se entrelaçam, se moldam e se enriquecem mutuamente. Quando escolhemos brinquedos respeitando o perfil da criança com TEA, acolhemos sua forma única de ser e aprender. Criamos pontes de afeto, estímulo e segurança. E mais do que tudo: garantimos que o brincar seja uma linguagem possível, acessível e transformadora.
Ao escolher com atenção, escuta e conhecimento, transformamos o brinquedo em uma ferramenta de inclusão e dignidade. Porque toda criança merece brincar. E toda criança com TEA tem o direito de se desenvolver em um mundo que a compreenda e a celebre.
Assinatura oficial:
Artigo escrito pela Dra. Letícia Bringel, psicóloga especialista em Autismo (CRP 23/504), Mestra em ABA pela PUC/GO, Supervisora CABA BR 2024/005 e CEO do Grupo Estímulos e da Comunidade Estímulos Brasil.
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