Síndrome de Tourette: compreendendo com ciência, respeito e empatia

A Síndrome de Tourette é uma condição neurológica que, por vezes, ainda é cercada por estigmas, mitos e incompreensões. Para muitas famílias, educadores e profissionais da saúde, o desconhecimento sobre essa síndrome pode gerar dúvidas, medos e atitudes pouco acolhedoras. É justamente por isso que precisamos falar sobre a Síndrome de Tourette com base científica, em linguagem acessível e com uma escuta verdadeiramente sensível às experiências de quem vive essa realidade.
Reconhecida como um transtorno do neurodesenvolvimento, a Síndrome de Tourette é caracterizada por tiques motores e vocais que surgem na infância. Esses tiques são movimentos ou sons involuntários, rápidos e repetitivos, que aparecem de forma inesperada e sem propósito funcional. Embora sejam muitas vezes confundidos com comportamentos voluntários, trata-se de manifestações fora do controle da pessoa, o que pode causar sofrimento e dificuldades sociais.
O que é a Síndrome de Tourette?
A Síndrome de Tourette, segundo o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), é definida pela presença de múltiplos tiques motores e pelo menos um tique vocal, com início antes dos 18 anos e persistência dos sintomas por mais de um ano. Esses tiques podem variar em frequência, intensidade e tipo ao longo do tempo, sendo influenciados por fatores como estresse, ansiedade, fadiga ou excitação.
É importante entender que a Síndrome de Tourette não compromete a inteligência da pessoa e não está necessariamente associada a comportamentos agressivos. No entanto, é comum que esteja acompanhada de outras condições, como Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), ansiedade ou dificuldades de aprendizagem.
Como os tiques se manifestam na Síndrome de Tourette?
Os tiques da Síndrome de Tourette se dividem em dois grandes grupos: tiques motores e tiques vocais.
Os tiques motores simples envolvem movimentos rápidos e repetitivos, como piscar os olhos, encolher os ombros ou fazer caretas. Já os tiques motores complexos podem incluir gestos mais elaborados, como pular, tocar objetos ou realizar movimentos corporais amplos.
Os tiques vocais simples são sons curtos e inexpressivos, como tosses, grunhidos ou pigarros. Os tiques vocais complexos podem envolver palavras ou frases inteiras, repetição de palavras ou até mesmo a emissão de palavras socialmente inapropriadas. Este último tipo é conhecido como coprolalia, mas é importante esclarecer que ocorre em apenas uma minoria dos casos.
Na prática, os tiques costumam surgir em ondas, alternando períodos de maior ou menor intensidade. Em muitos casos, a pessoa consegue suprimir temporariamente o tique, mas isso exige esforço significativo e pode gerar desconforto físico ou emocional.
O que causa a Síndrome de Tourette?
A causa da Síndrome de Tourette é multifatorial, envolvendo fatores genéticos, neurológicos e ambientais. Estudos indicam uma forte predisposição genética, com alterações em circuitos cerebrais que envolvem os gânglios da base, estruturas responsáveis por regular o movimento e a resposta motora.
Também há evidências de que desequilíbrios nos neurotransmissores dopamina e serotonina podem estar relacionados à manifestação dos tiques. Fatores como infecções, estresse perinatal e ambiente familiar podem influenciar a gravidade dos sintomas, mas não são causas isoladas da condição.
A neurociência avança constantemente no entendimento da Síndrome de Tourette, mas ainda não há um marcador biológico definitivo. O diagnóstico continua sendo clínico, baseado na observação dos sintomas e na exclusão de outras causas possíveis.
Diagnóstico da Síndrome de Tourette
O diagnóstico da Síndrome de Tourette é feito com base nos critérios estabelecidos pelo DSM-5. Para confirmar a condição, é necessário:
- Presença de dois ou mais tiques motores e pelo menos um tique vocal, não necessariamente ao mesmo tempo.
- Início dos sintomas antes dos 18 anos.
- Persistência por mais de um ano, mesmo que os tiques variem em tipo e intensidade.
- Ausência de outra causa médica ou uso de substância que explique os sintomas.
Não existem exames laboratoriais específicos para a Síndrome de Tourette, mas testes podem ser solicitados para descartar outras condições. O diagnóstico precoce é fundamental para orientar o manejo e prevenir estigmas sociais, muitas vezes mais impactantes do que os próprios tiques.
Síndrome de Tourette tem cura?
A Síndrome de Tourette não tem cura, mas é uma condição manejável. Em muitos casos, os tiques diminuem espontaneamente na adolescência ou na vida adulta. O tratamento é individualizado e depende da intensidade dos sintomas e de como eles impactam o cotidiano da pessoa.
As abordagens mais recomendadas incluem:
- Terapias comportamentais, especialmente a Terapia de Inversão de Hábito (HRT), que ensina a pessoa a substituir o tique por uma resposta alternativa menos visível.
- Intervenções psicoeducacionais, que visam esclarecer a condição para a própria pessoa, familiares, professores e colegas.
- Uso de medicamentos, como antipsicóticos atípicos ou bloqueadores de dopamina, apenas quando os tiques interferem significativamente na qualidade de vida.
- Suporte terapêutico transdisciplinar, com atuação de psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e profissionais de educação.
A escolha do tratamento deve respeitar os valores, a idade e os objetivos da pessoa, sempre com foco na funcionalidade e bem-estar.
Como explicar a Síndrome de Tourette para crianças e adultos?
Falar sobre a Síndrome de Tourette exige sensibilidade. Uma analogia possível é imaginar que o corpo da pessoa com Tourette funciona como um rádio que emite alguns estalos entre as músicas. Esses estalos não são causados por ela, não significam que algo está errado com o rádio, apenas que o circuito às vezes faz barulho involuntário.
Explicações simples, honestas e livres de julgamento ajudam a criar um ambiente seguro. Na escola, por exemplo, conversar com os colegas sobre a Síndrome de Tourette pode prevenir episódios de bullying e promover empatia. No ambiente familiar, a escuta ativa e o acolhimento são indispensáveis.
Inclusão e respeito
Conviver com a Síndrome de Tourette pode ser desafiador, principalmente quando há olhares curiosos, risos ou críticas em relação aos tiques. Por isso, mais do que entender a condição, é essencial transformar esse entendimento em atitudes inclusivas.
Na escola, isso pode significar:
- Não exigir que a criança “pare com o tique”.
- Permitir pausas quando necessário.
- Evitar punições por comportamentos que são involuntários.
- Adaptar avaliações e rotinas conforme a necessidade.
No ambiente de trabalho, isso envolve reconhecer o potencial da pessoa com Tourette, oferecendo ajustes razoáveis quando os sintomas interferem em alguma tarefa.
Na vida social, o respeito se traduz em não rir, não interromper, não julgar e não tentar corrigir o que não é um erro. Cada tique é apenas uma expressão do funcionamento neurológico da pessoa. Ele não precisa ser suprimido para que ela seja aceita.
A Síndrome de Tourette e a convivência social
A convivência com a Síndrome de Tourette pode ser mais tranquila quando todos à volta compreendem que os tiques não são atitudes propositalmente provocativas ou inadequadas. A tentativa de esconder os sintomas pode ser emocionalmente exaustiva. Por isso, oferecer um ambiente onde a pessoa se sinta segura para ser quem é, com seus movimentos e sons, faz toda a diferença.
Imagine estar em uma reunião e sentir uma enorme necessidade de tossir, mas saber que todos vão olhar se você o fizer. A tensão aumenta, o desconforto cresce, e você não consegue se concentrar. É essa a sensação que muitas pessoas com Tourette enfrentam em situações sociais. O acolhimento pode aliviar esse peso, enquanto o julgamento apenas intensifica os sintomas.
Caminhos para uma sociedade mais empática
A construção de uma sociedade mais empática começa na informação. Ao compreender a Síndrome de Tourette, deixamos de vê-la como algo estranho ou engraçado, e passamos a reconhecê-la como uma variação legítima do desenvolvimento humano.
Profissionais da saúde e da educação têm papel fundamental nesse processo. Cabe a nós orientar, formar e escutar com responsabilidade. Mas o compromisso com a inclusão também é coletivo. Cada gesto, cada palavra e cada olhar podem fortalecer ou enfraquecer o senso de pertencimento de alguém com Tourette.
Falar com respeito, ouvir com atenção, ensinar com paciência. Essas são ferramentas poderosas para mudar a realidade de milhares de pessoas que vivem com a Síndrome de Tourette e que só querem ser compreendidas, aceitas e valorizadas.
Considerações finais
A Síndrome de Tourette é uma condição neurológica real, complexa e multifacetada. Embora os tiques sejam o sintoma mais visível, os impactos da síndrome vão além do corpo. Envolvem autoestima, vínculos, inclusão escolar, oportunidades no mercado de trabalho e relações afetivas.
A informação baseada em evidência científica e o cuidado humanizado são os principais caminhos para superar o preconceito. Quando unimos ciência e empatia, conseguimos oferecer não apenas tratamentos, mas também pertencimento, dignidade e oportunidades reais.Ao acolher a singularidade de cada pessoa com Síndrome de Tourette, abrimos espaço para que ela floresça com autenticidade, sem precisar esconder ou apagar parte de quem é. E esse é, sem dúvida, o gesto mais profundo de inclusão.
Assinatura Oficial da Autora
Artigo escrito pela Dra. Letícia Bringel, psicóloga especialista em Autismo (CRP 23/504), Mestra em ABA pela PUC/GO, Supervisora CABA BR 2024/005 e CEO do Grupo Estímulos e da Comunidade Estímulos Brasil.
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