Psicomotricidade no Autismo: Quando o Corpo Encontra o Mundo

O papel da psicomotricidade no desenvolvimento de crianças com autismo
A psicomotricidade no autismo é muito mais do que um conjunto de exercícios físicos. Trata-se de um elo essencial entre o corpo, as emoções e as relações. Para muitas crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), entender os sinais do próprio corpo e do ambiente ao redor pode ser um desafio diário. E é nesse cenário que a psicomotricidade atua com profundidade, oferecendo recursos que favorecem a autonomia, o bem-estar e a aprendizagem significativa.
O corpo como ponto de partida: o que a psicomotricidade no autismo revela
Imagine que o corpo de uma criança é como um mapa a ser decifrado. Nas crianças com autismo, esse mapa pode apresentar caminhos confusos, cheios de curvas sensoriais e atalhos motores. A psicomotricidade no autismo ajuda a organizar esse percurso, promovendo a percepção corporal, o equilíbrio e a consciência espacial e temporal.
Segundo o DSM-5, muitas pessoas com TEA apresentam diferenças na maneira como processam estímulos sensoriais, o que impacta diretamente nas respostas motoras e na interação com o ambiente. Crianças com hipersensibilidade ou hipossensibilidade podem reagir de forma intensa ou limitada ao toque, ao som ou ao movimento. Isso interfere tanto em atividades simples, como vestir-se ou se alimentar, quanto em desafios mais complexos, como manter o foco em sala de aula ou brincar com outras crianças.
Psicomotricidade no autismo e intervenção precoce: por que começar cedo?
Quanto antes iniciamos o apoio psicomotor, maiores são os benefícios. A psicomotricidade no autismo, quando aplicada precocemente, contribui significativamente para o desenvolvimento global da criança. Isso porque o cérebro em formação possui uma grande plasticidade, o que significa que é mais receptivo a estímulos adequados e personalizados.
A intervenção precoce, com base em práticas psicomotoras, pode melhorar habilidades motoras finas e grossas, facilitar o aprendizado e favorecer o engajamento social. É como oferecer ferramentas para que a criança comece a construir suas próprias pontes entre o mundo interno e o externo.
A importância do brincar no contexto psicomotor
O brincar é a linguagem da infância, e na psicomotricidade no autismo, ele ganha contornos terapêuticos. Por meio de jogos, circuitos motores e interações lúdicas, a criança tem a oportunidade de explorar seus limites, desenvolver coordenação, fortalecer vínculos e expressar emoções.
Um exemplo prático: imagine uma criança com TEA que sente dificuldade em controlar a força do próprio corpo. Durante uma atividade de empilhar blocos grandes, ela aprende a dosar os movimentos, espera sua vez e ainda compartilha o espaço com outra criança. Nessa única brincadeira, estão sendo estimuladas funções executivas, linguagem, regulação emocional e interação social — tudo sob o olhar atento de um profissional.
Profissionais que compõem essa jornada psicomotora
A psicomotricidade no autismo é frequentemente conduzida por profissionais especializados, mas também se integra ao trabalho de diversas áreas da intervenção:
- Terapia Ocupacional: fundamental na integração sensorial e na funcionalidade das atividades diárias. A psicomotricidade, quando alinhada à terapia ocupacional, amplia os ganhos motores e sensoriais, preparando a criança para o cotidiano.
- Fisioterapia Pediátrica: auxilia no desenvolvimento da motricidade global e no alinhamento postural, contribuindo para uma base corporal mais estável, que sustenta o aprendizado de habilidades mais refinadas.
- Análise do Comportamento Aplicada (ABA): pode incorporar componentes psicomotores em seus programas, utilizando princípios de reforço positivo para promover maior engajamento nas atividades físicas e motoras.
Essa atuação transdisciplinar reforça a potência da psicomotricidade no autismo, tornando o processo de desenvolvimento mais coerente com as necessidades reais da criança.
Psicomotricidade no autismo e autoestima corporal
Outro aspecto valioso da psicomotricidade no autismo é a construção da autoestima corporal. Crianças que compreendem seu corpo e conseguem se mover com mais segurança desenvolvem uma imagem mais positiva de si. Isso impacta diretamente na confiança para interagir, para tentar algo novo e para lidar com as frustrações cotidianas.
É comum que algumas crianças com autismo se sintam deslocadas em atividades físicas escolares, por não conseguirem acompanhar o ritmo ou por se sentirem diferentes. A psicomotricidade oferece um espaço seguro onde o erro é parte do processo e onde cada conquista, por menor que pareça, é celebrada.
Um olhar sensível para cada corpo
A psicomotricidade no autismo respeita o tempo e o estilo de cada criança. Não existe um modelo único de desenvolvimento motor. Há crianças que precisam de mais tempo para dominar o equilíbrio, outras que não gostam do toque e demoram a aceitar atividades corporais mais próximas. O papel do profissional é observar, acolher e adaptar.
Uma história que ilustra bem esse processo é a de Lucas, um menino de 4 anos que tinha aversão ao contato físico e se recusava a participar das sessões motoras. Aos poucos, com brincadeiras de sopro, movimentos com panos leves e músicas de roda, Lucas começou a se envolver. Hoje, ele adora circuitos com bolas e até propõe atividades ao terapeuta. A psicomotricidade no autismo não força, ela convida.
Psicomotricidade e dignidade
É importante lembrar que cada intervenção deve estar a serviço da dignidade da criança. A psicomotricidade no autismo não busca “normalizar” o corpo autista, mas sim ampliar as possibilidades de expressão, comunicação e autonomia. Cada passo conquistado é um direito garantido: o de participar da vida com plenitude, com seus modos próprios de sentir e se mover.
O cuidado psicomotor também envolve ensinar adultos a respeitar os sinais do corpo da criança. Quando uma criança autista recua diante de um toque, isso é uma informação preciosa. A psicomotricidade no autismo nos ensina a escutar com o olhar, com a presença e com o coração.
Psicomotricidade na escola e na família: um trabalho conjunto
A escola pode ser um terreno fértil para aplicar princípios da psicomotricidade no autismo. Atividades simples, como pular amarelinha, brincar de roda ou participar de gincanas, tornam-se oportunidades ricas de desenvolvimento. Para isso, é essencial que professores sejam orientados por profissionais especializados, garantindo que a adaptação de atividades seja feita com respeito e propósito.
Da mesma forma, em casa, pais e cuidadores podem ser grandes parceiros na construção psicomotora. Caminhar descalço sobre texturas diferentes, fazer massagem com bolinhas, explorar o corpo no espelho, dançar juntos. Pequenos momentos que constroem grandes caminhos.
Conclusão
A psicomotricidade no autismo é uma das grandes aliadas na jornada de desenvolvimento de muitas crianças. Ela abre portas para a consciência corporal, facilita a interação com o ambiente e fortalece a autoestima. Mais do que isso, ela reconhece e valoriza a singularidade de cada corpo neurodivergente, oferecendo um cuidado que respeita, inclui e transforma.
O corpo da criança autista tem voz, tem ritmo, tem história. E a psicomotricidade é uma das formas mais bonitas de escutá-lo.
Artigo escrito pela Dra. Letícia Bringel, psicóloga especialista em Autismo (CRP 23/504), Mestra em ABA pela PUC/GO, Supervisora CABA BR 2024/005 e CEO do Grupo Estímulos e da Comunidade Estímulos Brasil.
Conteúdo super importante, a ser abordado! Pois, sabemos a importancia da psicomotricidade dentro do processo de intervenção!!!