A importância da aba na intervenção precoce para autistas: ciência, ética e respeito à individualidade

Quando falamos sobre o desenvolvimento de crianças autistas, a intervenção precoce aparece como uma das estratégias mais eficazes e fundamentais para promover autonomia, bem-estar e inclusão. Muito além de uma simples abordagem terapêutica, a intervenção precoce baseada na Análise do Comportamento Aplicada (ABA) representa um caminho de cuidado, escuta e acolhimento às necessidades singulares de cada pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Por que a intervenção precoce é tão importante?
A intervenção precoce se refere ao início das ações terapêuticas nos primeiros anos de vida da criança, preferencialmente antes dos 5 anos. Esse é um período em que o cérebro está em intensa fase de desenvolvimento, com alta plasticidade neuronal, o que significa que as aprendizagens e as conexões feitas nesse momento têm um impacto mais duradouro.
De acordo com o DSM-5 (American Psychiatric Association, 2013) e com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), iniciar a intervenção precoce pode minimizar atrasos no desenvolvimento, favorecer a aquisição de habilidades sociais, cognitivas, motoras e comunicativas, além de prevenir o agravamento de comportamentos que interferem na qualidade de vida.
A intervenção precoce baseada na ciência
A intervenção precoce mais reconhecida por sua base científica é a ABA (Applied Behavior Analysis – Análise do Comportamento Aplicada). Ela se fundamenta em princípios comportamentais para promover habilidades funcionais e reduzir barreiras à aprendizagem.
Estudos longitudinais, como os de Lovaas (1987) e os avanços descritos por Smith & Eikeseth (2011), apontam que crianças autistas que recebem intervenção precoce baseada em ABA apresentam melhor desempenho em áreas como linguagem, atenção compartilhada, interação social e comportamento adaptativo, quando comparadas àquelas que não tiveram acesso a essa intervenção estruturada.
Contudo, é fundamental que a intervenção precoce vá além dos protocolos e se fundamente em valores éticos, respeito à neurodiversidade e à singularidade de cada criança e sua família.
Ética, ciência e cuidado
Um dos debates mais comuns sobre a intervenção precoce em ABA é a carga horária recomendada. Algumas diretrizes sugerem intensidades de até 20 a 40 horas semanais, o que pode gerar apreensão em famílias e profissionais. No entanto, uma intervenção precoce ética considera muito mais do que números.
A intensidade deve ser planejada com base nas necessidades da criança, considerando sua saúde emocional, sua rotina familiar e o princípio do menor sofrimento possível. É essencial lembrar que mais importante do que a quantidade é a qualidade da intervenção precoce.
Profissionais comprometidos com o bem-estar da pessoa autista avaliam continuamente os efeitos da intervenção, ajustando metas e estratégias, ouvindo a família e respeitando o tempo e os sinais da criança. A ética profissional nos convida a garantir que a intervenção precoce seja uma ponte para a inclusão, e não uma fonte de sobrecarga.
Intervenção precoce centrada na pessoa
A beleza da intervenção precoce em ABA está em sua capacidade de personalização. Cada plano terapêutico deve ser único, moldado pelas características, interesses e necessidades da criança.
Imagine uma criança chamada João, de 3 anos, que adora brincar com água. Em vez de impor atividades padrão, a equipe terapêutica pode utilizar esse interesse para desenvolver a linguagem funcional, a nomeação de objetos, a solicitação de ajuda, o brincar simbólico e até habilidades sociais. A água não é apenas um reforçador, mas um canal de conexão entre João e o mundo ao seu redor.
A intervenção precoce centrada na pessoa permite essa escuta sensível. Ela reconhece que o brincar, a comunicação e os vínculos se constroem a partir do que é significativo para cada um.
A parceria com a família é essencial
A intervenção precoce não acontece isoladamente dentro de uma sala de atendimento. Ela precisa da família como parceira ativa. Pais, mães e cuidadores são especialistas no cotidiano da criança. São eles que conhecem seus gestos, suas formas únicas de se expressar, seus gostos e desafios.
Por isso, incluir a família em todas as etapas da intervenção precoce é não apenas uma boa prática, mas uma obrigação ética. É por meio desse diálogo que construímos metas funcionais, traduzimos avanços para o dia a dia e garantimos que a intervenção faça sentido para a realidade daquela casa.
Muitas vezes, as famílias também precisam ser acolhidas emocionalmente. Receber o diagnóstico de autismo pode vir acompanhado de medo, culpa ou dúvidas. Um olhar cuidadoso sobre os sentimentos dos pais é parte integrante de uma intervenção precoce humanizada.
Intervenção precoce é mais que ensinar habilidades
Existe um equívoco comum de que a intervenção precoce serve apenas para “ensinar a criança a fazer coisas”. Mas ela vai muito além disso. Quando bem aplicada, a intervenção precoce fortalece vínculos, amplia a comunicação, promove autorregulação emocional e previne crises.
Ela também ajuda a criança a reconhecer e respeitar seus próprios limites. Em vez de apagar comportamentos autísticos, a ABA contemporânea busca expandir possibilidades, sempre com foco na funcionalidade e na dignidade.
Vale lembrar que a intervenção precoce não tem como objetivo “normalizar” a criança, mas sim empoderá-la para que possa participar do mundo com o máximo de independência possível — sendo ela mesma, com suas características, modos de ser e formas de interagir.
Quando começar a intervenção precoce?
O ideal é que a intervenção precoce comece assim que sinais de atraso no desenvolvimento forem observados, mesmo antes do diagnóstico fechado. Crianças que não respondem ao nome, não mantêm contato visual, não compartilham interesses ou têm atrasos significativos na linguagem podem se beneficiar imensamente de um acompanhamento inicial.
Pesquisas apontam que, quanto antes a intervenção precoce se inicia, maiores são as chances de impacto positivo. Isso não significa que crianças mais velhas não possam se beneficiar, mas sim que os primeiros anos oferecem uma janela de oportunidades únicas.
Intervenção precoce e inclusão escolar
Outro aspecto fundamental da intervenção precoce é seu impacto na escolarização. Crianças que recebem apoio terapêutico desde cedo tendem a desenvolver melhores estratégias de adaptação ao ambiente escolar, maior interação com os colegas e participação nas atividades pedagógicas.
A presença de um plano individualizado de ensino, aliado à atuação do terapeuta junto à equipe escolar, potencializa os ganhos da intervenção precoce, garantindo que a escola também seja um espaço de aprendizagem real e significativa.
Considerações finais
A intervenção precoce no autismo é mais do que um conjunto de técnicas. Ela é uma expressão de cuidado, ciência e escuta. Quando conduzida com ética, sensibilidade e olhar individualizado, tem o poder de transformar trajetórias e construir futuros mais autônomos e felizes para pessoas autistas.
É preciso, cada vez mais, desmistificar a ideia de que a ABA é rígida ou padronizada. A nova geração de profissionais entende que cada criança é única, e que a intervenção precoce deve respeitar essa singularidade em todas as suas formas.
Famílias, terapeutas, educadores e a sociedade como um todo têm um papel na construção de caminhos mais inclusivos. E a intervenção precoce é um dos pilares dessa construção.
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Assinatura da autora:
Artigo escrito pela Dra. Letícia Bringel, psicóloga especialista em Autismo (CRP 23/504), Mestra em ABA pela PUC/GO, Supervisora CABA BR 2024/005 e CEO do Grupo Estímulos e da Comunidade Estímulos Brasil.
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