Coordenação motora no TEA: formas divertidas e eficazes de estimular no dia a dia

A coordenação motora é uma das habilidades fundamentais para o desenvolvimento global da criança, sendo responsável por permitir que ela interaja com o mundo de maneira funcional, segura e autônoma. Para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), esse aspecto do desenvolvimento pode representar um desafio adicional, mas também uma incrível oportunidade de crescimento quando estimulado com sensibilidade, ludicidade e propósito.
Neste artigo, vamos abordar maneiras eficazes de estimular a coordenação motora de crianças autistas, com base em evidências científicas e práticas terapêuticas atualizadas. A intenção é oferecer acolhimento, conhecimento e estratégias acessíveis para famílias, educadores e profissionais da saúde que atuam no cuidado diário dessas crianças.
Por que a coordenação motora é tão importante?
A coordenação motora está relacionada à forma como os músculos e o sistema nervoso se comunicam para realizar movimentos precisos e organizados. Ela se divide em dois grandes grupos: coordenação motora grossa, que envolve os músculos maiores e os movimentos amplos do corpo; e coordenação motora fina, que abrange os pequenos músculos, especialmente das mãos e dos dedos.
Nas crianças com TEA, dificuldades na coordenação motora podem se manifestar de maneiras diversas, como quedas frequentes, resistência a atividades físicas, uso incomum das mãos, dificuldade com recortes, pintura, escrita ou mesmo em tarefas simples como abotoar uma camisa. Pesquisas apontam que cerca de 80% das crianças com autismo apresentam algum grau de prejuízo motor (Green et al., 2009), o que impacta diretamente em sua autonomia e participação social.
Coordenação motora grossa
A coordenação motora grossa é essencial para que a criança explore o ambiente, brinque, corra, pule e se relacione com o mundo ao seu redor. No TEA, o desenvolvimento dessa habilidade pode ser estimulado com propostas lúdicas, que respeitem o ritmo e os interesses da criança.
Atividades para estimular a coordenação motora grossa:
- Caminhar sobre fitas no chão imitando uma trilha mágica
- Brincar de pular amarelinha ou “lava quente”
- Dançar músicas com coreografias simples e repetitivas
- Jogo da estátua com variações motoras (ficar em um pé só, de cócoras, etc.)
- Subir e descer escadinhas improvisadas com almofadas
- Andar de bicicleta ou patinete com supervisão
- Praticar yoga infantil com movimentos que favorecem equilíbrio e flexibilidade
Essas atividades não apenas desenvolvem a coordenação motora, mas também favorecem habilidades sociais, regulação emocional e consciência corporal, aspectos frequentemente trabalhados nas terapias baseadas em ABA (Análise do Comportamento Aplicada), que valorizam o ensino de comportamentos funcionais.
Coordenação motora fina
A coordenação motora fina é aquela responsável por movimentos de precisão. Escrever, desenhar, recortar, abotoar e manusear objetos são exemplos de ações que dependem desse tipo de habilidade. No TEA, é comum observar dificuldades na motricidade fina desde a primeira infância, sendo importante oferecer estímulos consistentes e envolventes.
Propostas para desenvolver a coordenação motora fina:
- Brincar com massinhas de modelar e moldes divertidos
- Usar brinquedos de encaixe, rosquear tampas ou alinhar contas grandes
- Pintar com pincéis, cotonetes ou esponjas
- Realizar colagens com figuras recortadas por adultos
- Encaixar peças de quebra-cabeças simples e temáticos
- Utilizar pinças grandes para pegar objetos leves como algodão ou pompons coloridos
Ao trabalhar a coordenação motora fina, a criança amplia sua independência em tarefas diárias e acadêmicas. Isso é especialmente relevante quando pensamos em promover autonomia para o futuro, como defendem os protocolos funcionais baseados em ABA e no modelo do Essential for Living (McGreevy et al., 2014).
Equilíbrio e consciência corporal
Outro aspecto que compõe o desenvolvimento da coordenação motora é o equilíbrio postural, ou seja, a capacidade da criança de manter seu corpo estável ao se mover, sentar, agachar ou levantar. Crianças com autismo podem apresentar dificuldades nesse controle por questões sensoriais, baixa tonicidade muscular ou alterações na propriocepção.
Brincadeiras que fortalecem equilíbrio e postura:
- Caminhar sobre linhas desenhadas no chão, fingindo ser uma corda de circo
- Ficar parado sobre um pé só enquanto conta até cinco
- Subir e descer plataformas baixas como degraus ou caixas firmes
- Saltar de uma almofada para outra como em um “jogo do vulcão”
- Brincar sobre colchonetes instáveis ou superfícies macias
Estas propostas não apenas fortalecem a coordenação motora, mas favorecem a segurança corporal, auxiliando a criança a sentir-se mais conectada com seu próprio corpo e com o espaço ao redor. Quando esse domínio acontece, muitas barreiras sociais e comportamentais também começam a se dissolver.
A importância do brincar e da repetição
No TEA, o brincar não é apenas um momento de diversão, mas uma ferramenta terapêutica poderosa. O brincar estruturado, com objetivos claros e prazer associado, favorece o aprendizado de novas habilidades motoras de forma leve e significativa.
É importante lembrar que a coordenação motora não se desenvolve da noite para o dia. Ela precisa de tempo, constância e encorajamento. Atividades simples, repetidas em um ambiente seguro, proporcionam à criança autista oportunidades reais de se sentir capaz, valorizada e confiante.
Um exemplo que inspira
Maria, de 5 anos, foi diagnosticada com TEA aos 2 anos e meio. Tinha muita dificuldade para correr sem cair, não conseguia segurar bem os lápis e se irritava com qualquer proposta que exigisse movimento corporal. Seus pais, com orientação da equipe terapêutica, passaram a incluir no dia a dia da menina circuitos com almofadas, brincadeiras de pintura com os dedos e tarefas de encaixe durante o banho.
Com o tempo, Maria passou a se movimentar com mais firmeza, a gostar das brincadeiras com as mãos e até começou a pedir para fazer suas “tarefinhas de recorte”. Esse avanço não foi apenas motor: Maria passou a interagir mais, a manter contato visual e a aceitar com mais tranquilidade os momentos de transição. A coordenação motora dela se transformou em uma ponte para outros aspectos do desenvolvimento.
Coordenação motora como expressão de dignidade e autonomia
Estimular a coordenação motora no autismo vai muito além do desenvolvimento físico. É um gesto de respeito à dignidade da criança, um caminho para que ela possa expressar suas vontades, participar da rotina com mais independência e construir um senso de competência.
Cada conquista motora, por menor que pareça, representa um passo em direção a uma vida mais funcional, mais livre e mais conectada. Por isso, cada atividade deve ser planejada com carinho, acolhimento e sensibilidade, valorizando não apenas o que a criança faz, mas como ela se sente ao fazer.
Conclusão
A coordenação motora é uma aliada no processo de inclusão e empoderamento de crianças com TEA. Quando estimulada de forma respeitosa e lúdica, ela se torna uma linguagem de crescimento e superação. Famílias, cuidadores e profissionais podem transformar simples brincadeiras em poderosas oportunidades de desenvolvimento, basta olhar com atenção, oferecer tempo e acreditar no potencial de cada criança.
Assinatura da autora:
Artigo escrito pela Dra. Letícia Bringel, psicóloga especialista em Autismo (CRP 23/504), Mestra em ABA pela PUC/GO, Supervisora CABA BR 2024/005 e CEO do Grupo Estímulos e da Comunidade Estímulos Brasil.
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