Aprendizagem no autismo: caminhos possíveis com apoio da família, escola e terapias

A aprendizagem no autismo é uma jornada que vai muito além do conteúdo escolar. Envolve compreender o funcionamento singular de cada criança, acolher suas formas de expressão e adaptar estratégias para que o conhecimento seja, de fato, acessível. Em meio a tantos mitos e incertezas, famílias e profissionais frequentemente se perguntam: “Como crianças com autismo aprendem?” A resposta passa pela ciência, pela escuta e, sobretudo, pela sensibilidade.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento descrita pelo DSM-5 como marcada por desafios na comunicação social, interação e comportamentos repetitivos. Ainda que compartilhem traços comuns, cada indivíduo com TEA é único, com diferentes necessidades e formas de aprender. Por isso, falar em aprendizagem no autismo é também falar em diversidade.
Como acontece a aprendizagem no autismo
Uma criança com TEA pode, sim, aprender — e muito. Mas para que isso aconteça, é preciso respeitar seu tempo, seu ritmo e seu jeito de aprender. A aprendizagem no autismo requer um olhar individualizado, estratégias baseadas em evidências e, acima de tudo, empatia.
Alguns recursos se destacam por favorecer essa construção do saber:
- Comandos claros e objetivos: Evitar frases longas e rebuscadas. Uma instrução direta como “guarde os lápis” é mais eficaz do que “agora está na hora de arrumar tudo”. O tom de voz deve ser calmo, firme e previsível.
- Apoio visual: Imagens, pictogramas, objetos concretos e quadros de rotina ajudam a transformar o abstrato em algo tangível. O uso de recursos visuais é uma base sólida para a aprendizagem no autismo, especialmente nas fases iniciais.
- Modelagem e imitação: Demonstrar a ação antes de solicitá-la pode aumentar significativamente a compreensão. Quando um adulto mostra como montar um quebra-cabeça e repete esse processo com a criança, cria-se um caminho acessível ao aprendizado.
- Reforço positivo: Celebrar conquistas, por menores que sejam, mantém a motivação. O reforçador pode ser um elogio, um tempo extra em uma atividade preferida ou um abraço. O segredo é descobrir o que faz sentido para aquela criança.
A aprendizagem no autismo também passa pela conexão afetiva. Quando a criança se sente segura, respeitada e compreendida, seu cérebro está mais disponível para aprender.
Família e escola
A escola, por si só, não dá conta. A família, sozinha, também não. É na união entre esses dois universos que a aprendizagem no autismo se fortalece.
O envolvimento da família é essencial. Pais e cuidadores que conhecem a fundo suas crianças contribuem não apenas com informações preciosas, mas com a extensão das intervenções terapêuticas ao cotidiano. Ensinar em casa não significa substituir o professor, mas reforçar aquilo que está sendo construído na escola.
No ambiente escolar, é preciso que a inclusão seja prática — e não apenas legal. A matrícula é o primeiro passo. Mas a verdadeira inclusão acontece com um Plano Educacional Individualizado (PEI), onde metas e estratégias pedagógicas são desenhadas com base nas necessidades daquele aluno. A aprendizagem no autismo exige adaptações como textos simplificados, tempo ampliado para respostas, avaliações diferenciadas e, quando necessário, o acompanhamento de um mediador escolar.
A Lei Brasileira de Inclusão (13.146/2015) garante esse suporte. E garantir não é um favor, é assegurar direitos.
A contribuição das terapias integradas na aprendizagem no autismo
A aprendizagem no autismo não se limita à escola. Muitas vezes, ela é iniciada ou intensificada no espaço terapêutico. A intervenção multiprofissional é fundamental para o desenvolvimento de habilidades cognitivas, sociais e emocionais.
A Análise do Comportamento Aplicada (ABA), por exemplo, é uma abordagem amplamente recomendada por diretrizes internacionais, como a da Organização Mundial da Saúde (OMS), pela sua eficácia na construção de repertórios funcionais. A fonoaudiologia favorece a linguagem expressiva e receptiva. A terapia ocupacional trabalha aspectos sensoriais e da vida diária. A psicologia e a neuropsicopedagogia contribuem para a autorregulação emocional e o raciocínio lógico. Todas essas áreas, juntas, formam a base da aprendizagem no autismo.
Importante ressaltar: o sucesso terapêutico acontece quando há coerência entre as práticas clínicas, o contexto familiar e o ambiente escolar. Cada profissional deve atuar de forma colaborativa, com trocas frequentes e metas compartilhadas.
Desafios na aprendizagem no autismo: comorbidades e barreiras
Cerca de 70% das pessoas com TEA apresentam comorbidades, como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), deficiência intelectual, apraxia da fala ou distúrbios do sono. Essas condições podem impactar diretamente a aprendizagem no autismo, tornando ainda mais necessário um acompanhamento médico e pedagógico individualizado.
Um desafio comum na escola, por exemplo, é a compreensão textual. Muitas crianças com TEA conseguem decodificar palavras, ou seja, “ler” em voz alta, mas não compreendem o conteúdo. Isso ocorre por fatores como:
- Hiperdetalhamento: atenção excessiva a aspectos irrelevantes do texto.
- Dificuldade de abstração: interpretar metáforas ou ironias pode ser complexo.
- Rigidez cognitiva: dificuldade em entender pontos de vista diferentes.
- Processamento sensorial atípico: que pode afetar a concentração e o foco.
Para lidar com essas dificuldades, a aprendizagem no autismo deve incluir estratégias como leitura compartilhada, uso de perguntas simples e apoio visual para construção de sentido.
Aprendizagem no autismo é possível, e cada criança tem seu tempo
Imagine uma estrada cheia de desvios, pausas e novos caminhos. Assim é a aprendizagem no autismo. O trajeto nem sempre será linear. Às vezes, haverá avanços rápidos. Outras vezes, os progressos parecerão lentos. Mas cada passo importa.
É importante lembrar que aprender não é apenas memorizar. É adquirir habilidades para viver melhor. Aprender pode ser descobrir como pedir ajuda, como comunicar uma dor, como fazer uma escolha.
A história de João ilustra bem isso. Aos 5 anos, ele ainda não falava. Sua mãe, preocupada, iniciou uma jornada com equipe multidisciplinar e apoio escolar. Aos poucos, com o uso de figuras e reforços, João começou a apontar para seus brinquedos preferidos. Depois, veio a primeira palavra. Hoje, aos 8, ele lê frases curtas e já se comunica com frases simples. O progresso foi diferente do esperado, mas foi real, e isso é o que importa.
Caminhando juntos pela aprendizagem no autismo
A aprendizagem no autismo é uma travessia coletiva. Envolve profissionais atentos, famílias engajadas e escolas comprometidas. Não é sobre “normalizar” ou “corrigir”. É sobre dar condições para que cada criança desenvolva seu máximo potencial, com dignidade, propósito e amor.
Como profissionais da saúde, precisamos lembrar que nossa escuta, nossas orientações e nossas decisões impactam vidas inteiras. E como sociedade, precisamos aprender que o autismo não limita a capacidade de aprender — apenas pede caminhos diferentes.
Afinal, ensinar é um ato de respeito. E aprender, um direito inegociável.
Assinatura oficial da autora
Artigo escrito pela Dra. Letícia Bringel, psicóloga especialista em Autismo (CRP 23/504), Mestra em ABA pela PUC/GO, Supervisora CABA BR 2024/005 e CEO do Grupo Estímulos e da Comunidade Estímulos Brasil.
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