Apraxia: como identificar, compreender e intervir com acolhimento e ciência

apraxia

Falar sobre apraxia é, antes de tudo, reconhecer o impacto que esse distúrbio pode ter na vida de uma pessoa e de toda a sua rede de apoio. Seja na infância, na fase adulta ou no envelhecimento, a apraxia interfere na autonomia, na comunicação e nas atividades do dia a dia, exigindo um olhar atento, sensível e fundamentado.

Neste artigo, vamos entender o que é apraxia, seus principais tipos, como é feito o diagnóstico e quais são os caminhos terapêuticos possíveis, sempre com foco na qualidade de vida e no cuidado ético à pessoa neurodivergente.

O que é apraxia?

A apraxia é um distúrbio neurológico que dificulta a realização de movimentos voluntários coordenados, mesmo quando não há alterações musculares ou sensoriais evidentes. A pessoa sabe o que deseja fazer, entende o comando, mas o cérebro não consegue planejar ou executar o movimento corretamente.

Imagine alguém tentando amarrar os sapatos. Ela compreende o processo, reconhece os cadarços, mas seus dedos não respondem da maneira esperada. Esse descompasso entre intenção e ação caracteriza a apraxia.

Em crianças, por exemplo, a apraxia de fala infantil pode se manifestar como uma dificuldade persistente em pronunciar palavras, mesmo após várias tentativas. Elas sabem o que querem dizer, mas o cérebro tem dificuldade em enviar os comandos motores corretos aos músculos da fala.

Quais são os tipos de apraxia?

A apraxia não se apresenta de forma única. Existem diferentes formas clínicas, cada uma com características e desafios específicos:

Apraxia ideomotora: dificulta a realização de gestos simples, como acenar ou soprar, especialmente quando solicitados por outra pessoa.

Apraxia ideacional ou conceitual: interfere na execução de sequências complexas, como escovar os dentes ou preparar um lanche.

Apraxia bucofacial: afeta os movimentos da face, como sorrir, assobiar ou mastigar voluntariamente.

Apraxia construtiva: dificulta tarefas visoespaciais, como montar um quebra-cabeça ou desenhar formas geométricas.

Apraxia verbal (ou de fala): prejudica a coordenação dos músculos da fala, gerando fala lenta, distorcida ou ininteligível, mesmo com compreensão preservada.

Apraxia oculomotora: compromete os movimentos voluntários dos olhos, como acompanhar objetos ou mudar rapidamente de foco.

Apraxia dos membros (limbo-cinética): prejudica movimentos finos e coordenados dos braços, pernas ou dedos.

Cada tipo de apraxia exige uma avaliação individualizada, pois suas manifestações e impactos variam amplamente entre os pacientes.

Quais são as causas da apraxia?

A apraxia pode ter diferentes origens. Em adultos, costuma estar associada a lesões cerebrais adquiridas, como acidente vascular cerebral (AVC), traumatismo cranioencefálico, tumores ou doenças neurodegenerativas como a demência.

Em crianças, especialmente na apraxia de fala na infância, acredita-se que a causa seja de origem neurológica, ainda que muitas vezes não haja lesão visível nos exames de imagem. Nesses casos, é comum que a criança apresente dificuldades motoras na fala desde muito cedo, mesmo em contextos de desenvolvimento típico.

Também é importante diferenciar a apraxia de outras condições que afetam a motricidade ou a linguagem, como a dispraxia, a disartria e os transtornos do espectro autista (TEA). Em alguns casos, a apraxia pode coexistir com o TEA, o que torna o diagnóstico ainda mais desafiador.

Como identificar os sintomas da apraxia?

Os sinais de apraxia variam de acordo com o tipo e a gravidade da condição. Em geral, podemos observar:

  • Dificuldade para realizar gestos simples sob comando
  • Incapacidade de repetir movimentos mesmo após demonstração
  • Frustração frequente ao tentar se comunicar (no caso da apraxia verbal)
  • Trocas motoras inusitadas, como usar o pente ao contrário
  • Dificuldade em realizar sequências motoras que antes eram automáticas

Em crianças, os pais costumam notar que a fala não evolui como esperado, mesmo após tentativas intensas. Muitos relatam que a criança parece entender tudo, mas “as palavras não saem”.

É fundamental que esses sinais não sejam atribuídos apenas à “preguiça” ou “timidez”. A apraxia é uma condição neurológica real e precisa ser investigada com seriedade.

Como é feito o diagnóstico de apraxia?

O diagnóstico da apraxia é clínico e realizado por uma equipe multidisciplinar. Em geral, envolve neurologistas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicólogos especializados em neurodesenvolvimento.

São utilizados testes que avaliam:

  • A compreensão verbal e não verbal
  • A imitação de gestos
  • A execução de tarefas motoras simples e complexas
  • A coordenação entre intenção e ação
  • A produção de fala (no caso da apraxia verbal)

No contexto da infância, é comum que o diagnóstico seja gradual, construído a partir da observação contínua e de avaliações específicas. É essencial que os profissionais conheçam os marcos do desenvolvimento infantil e estejam atentos às variações neurotípicas e neurodivergentes.

Como tratar a apraxia com abordagem funcional e humanizada?

O tratamento da apraxia deve ser individualizado e contínuo. Não existe um “remédio” específico, mas uma combinação de intervenções terapêuticas baseadas em evidências:

Terapia fonoaudiológica: no caso da apraxia verbal, o trabalho fonoaudiológico é fundamental. Técnicas como o PROMPT (Prompts for Restructuring Oral Muscular Phonetic Targets) e o uso de recursos visuais são altamente eficazes.

Terapia ocupacional: indicada especialmente nos casos de apraxia ideomotora, construtiva ou de membros, com foco na funcionalidade e na independência nas atividades da vida diária.

Intervenção baseada em ABA (Análise do Comportamento Aplicada): pode ser eficaz para ensinar sequências motoras, reforçar tentativas corretas e aumentar a motivação da criança, especialmente quando há comorbidade com TEA.

Comunicação alternativa e aumentativa: para pessoas com apraxia verbal severa, o uso de sistemas alternativos de comunicação, como pranchas com figuras, tablets com voz sintética ou gestos, pode ser essencial para garantir acesso à linguagem e participação social.

Envolvimento da família: o apoio e a consistência em casa são pilares do progresso terapêutico. Famílias instruídas e acolhidas tendem a colaborar melhor com as intervenções, oferecendo estímulo emocional e oportunidades de prática natural.

Um exemplo que nos inspira

Lembro de Marina, uma menina de cinco anos diagnosticada com apraxia verbal severa. Quando chegou à clínica, só conseguia emitir sons isolados. Seu olhar era atento, e sua compreensão, preservada. Começamos com sessões intensivas de fonoaudiologia, intercaladas com o uso de tablets com figuras e reforços positivos. Após meses de intervenção e muito apoio familiar, Marina conseguiu dizer o nome do irmão pela primeira vez. Foi um momento de emoção profunda para todos, e também um lembrete de que cada pequena conquista merece ser celebrada.

A apraxia tem cura?

A apraxia não tem uma “cura” no sentido tradicional, mas tem tratamento. Muitas pessoas com diagnóstico precoce e acesso a terapias adequadas desenvolvem estratégias compensatórias e alcançam excelente funcionalidade.

Alguns casos exigirão suporte por toda a vida, mas isso não significa ausência de progresso. Com respeito, escuta e intervenção qualificada, é possível ampliar as oportunidades e promover dignidade em cada fase do processo.

Conclusão

A apraxia é uma condição desafiadora, mas não deve ser vista como sentença de limitação. Ao contrário, ela nos convida a adaptar, criar caminhos e acreditar no potencial humano.

Seja qual for o tipo de apraxia, é essencial buscar diagnóstico precoce, construir redes de apoio e investir em terapias que respeitem o ritmo, a história e os desejos da pessoa. Mais do que tratar sintomas, precisamos promover autonomia e pertencimento.

Assinatura Oficial da Autora

Artigo escrito pela Dra. Letícia Bringel, psicóloga especialista em Autismo (CRP 23/504), Mestra em ABA pela PUC/GO, Supervisora CABA BR 2024/005 e CEO do Grupo Estímulos e da Comunidade Estímulos Brasil.

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